Jardim Botânico da Universidade de Lisboa Página inicial | Investigação | Visitas | Contactos
Pesquisar o site...
Início arrow Artigos arrow Artigos arrow Localização celular dos elementos nos biomonitores criptogâmicos Quarta, 01 Maio 2024
Menu principal
Início
Artigos
Projectos
Web links
Localização celular dos elementos nos biomonitores criptogâmicos PDF Imprimir Correi electronico (E-mail)
Escrito por Rui Figueira   
Segunda, 24 Outubro 2005
Jardim Botânico - MNHN e CVRM-Centro de Geo-Sistemas do IST, email:

Citação: Figueira R (2002). Localização celular dos elementos nos biomonitores criptogâmicos. Portal Biomonitor, http://www.jb.ul.pt/biomonitor, data da consulta.

Os elementos podem distribuir-se por uma das seguintes localizações celulares: superfície, parede celular, onde estabelecem ligações iónicas extracelulares e interior da célula (Brown, 1987). Os elementos presentes no compartimento intracelular podem estar em solução no citoplasma ou complexados com componentes intracelulares tais como proteínas, outros compostos orgânicos ou formando precipitados (Brown e Wells, 1988; Bruns et al., 2001). A entrada dos elementos na célula só se faz após a transposição da membrana celular, através de locais de transporte com diferentes selectividades.
Este acontece por transportadores passivos, em resposta a diferenças de potencial osmótico e eléctrico, mas também por processos activos (Raven et al., 1998). Os elementos não essenciais, tais como o cádmio, poderão entrar através de transportadores não específicos e ser acumulados, devido à ausência de processos de controlo intracelular pelo organismo, podendo causar, potencialmente, impacto imediato no metabolismo (Brown e Bates, 1990). Pode ainda acontecer a desintoxicação de metais potencialmente tóxicos, nas células dos fungos, através da transferência desses elementos para o interior do vacúolo das células fúngicas, o que foi observado em diversas espécies de fungos não liquenizados (Gadd, 1993).
Os elementos podem também ser identificados na fracção extracelular e neste caso, presentes em várias formas. Podem estar depositados na superfície do organismo, retidos na forma de partícula, sem estabelecerem quaisquer ligações iónicas com o briófito ou líquene, podendo ser removidos facilmente por acção mecânica da chuva ou do vento. Foi observada a existência de partículas depositadas na superfície das folhas de briófitos, através da microscopia electrónica de varrimento (Jalkanen et al., 2000). Os elementos podem, ainda, ser incorporados no tecido do organismo ficando retido entre as hifas dos líquenes (Garty et al., 1979). Os elementos podem ainda ser retidos nos espaços intercelulares, formando sais na forma de oxalatos por complexação com ácidos líquénicos (Purvis, 1984) ou formando cristais nos líquenes (Purvis et al., 1985), por biomineralização de elementos constituintes dos musgos (Mn, S) com outros obtidos por contaminação a partir do solo (Ron et al., 1999). Os elementos presentes na fracção intercelular não têm acção imediata sobre o metabolismo do organismo, podendo, no entanto, solubilizar-se por alterações das condições do meio – presença de água, acidificação – ficando assim disponíveis para a tomada intracelular pelo organismo.
Os elementos extracelulares podem também estabelecer ligações iónicas com os lugares de troca iónica das paredes celulares. A parede celular dos líquenes e briófitos apresenta lugares com carga negativa, devido à ionização de porções de ácidos fracos presentes na sua estrutura, (ver revisão em Bates, 2000). Estes possuem grupos funcionais com O, S e N, para os quais varia a afinidade conforme o elemento. Os catiões podem ser classificados quanto à sua afinidade aos ligandos, tendo sido caracterizados os elementos com preferências dos ligando na ordem O>N>S como de Classe A e com preferência inversa como de Classe B, existindo também o grupo de elementos com características intermédias, chamados elementos de transição (Nieboer e Richardson, 1980). A afinidade dos elementos por cada um dos ligando depende essencialmente da sua electronegatividade e do raio iónico.
A ligação dos elementos aos grupos funcionais é regulada por mecanismos fisico-químicos, num processo de troca iónica (Puckett et al., 1973; Nieboer et al., 1978; Brown e Beckett, 1984), em que a afinidade dos catiões monovalentes é inferior à dos elementos bivalentes (Brown e Beckett, 1984). Por essa razão, a acumulação de tecidos vivos ou mortos de Sphagnum papillosum submetidos à contaminação por metais é equivalente (Gstoettner e Fisher, 1997). A afinidade dos elementos para os lugares de troca iónica, que normalmente é referida para líquenes e musgos, segue a ordem Pb2+, Cu2+ > Zn2+ > Ni2+ > Mg2+ > Sr2+ ou Pb2+ > Cu2+ > Ni2+ > Zn2+ > Cd2+ > Ca2+ > Mg2+ > Na+, com algumas variações (Brown, 1987; Brown e Wells, 1988). A ligação resulta do estabelecimento do equilíbrio entre os elementos e os lugares de troca, que depende da natureza dos elementos disponíveis, incluindo os que se encontram ligados, da concentração dos mesmos e da natureza dos lugares de troca (Brown e Bates, 1990).
Em alguns trabalhos verificou-se que os briófitos conseguem sobreviver a concentrações elevadas de elementos normalmente tóxicas para as plantas, o que foi observado com surpresa por alguns autores (Brown e Bates, 1990). Nestes estudos, foi quantificada apenas a concentração total dos elementos, sem se obter qualquer informação sobre a distribuição dos elementos pelas várias fracções celulares. Uma parte dos elementos acumulados pelos líquenes e briófitos poderão ficar retidos na parede celular, estabelecendo ligações iónicas com os lugares de troca, sem afectarem o metabolismo do organismo. O mesmo se poderá dizer dos elementos que permanecem à superfície na forma de partículas. As alterações na química do ambiente deverão ser reflectidas pela fracção da parede celular, mas não necessariamente pelo conteúdo intracelular (Brown e Bates, 1990). Os elementos mais lábeis poderão, no entanto, ser remobilizados e acabam por entrar na célula (Wells e Brown, 1996; Brümelis e Brown, 1997).
Conhecendo as propriedades de ligação dos elementos aos líquenes e musgos, é possível definir um método de avaliação dos conteúdos catiónicos dos vários compartimentos celulares. Brown e seus colaboradores (Brown e Wells, 1988; Branquinho e Brown, 1994) estabeleceram a Sequência de Eluição dos Catiões (SEC), que permite extrair em várias fases as diferentes fracções celulares. A primeira consiste na extracção da fracção superficial com água, o que remove os elementos solúveis depositados à superfície ou presentes nos espaços intercelulares, mas que não tenham estabelecido ligações iónicas aos lugares de troca iónica da parede celular. Na fase seguinte sujeita-se a amostra a uma solução contendo um ião com maior afinidade para os lugares de troca da parede (e.g. Ni2+), numa concentração suficientemente elevada para que os elementos que ocupavam esses lugares sejam removidos para a solução, podendo então ser quantificados. O Ni é normalmente utilizado por ser um elemento com características de transição, que não tem efeitos toxicológicos conhecidos nas concentrações utilizadas e não provoca danos na membrana celular (Brown e Wells, 1988).
Nenhuma das fases anteriores provoca a perda do soluto intracelular, se for garantida a integridade da membrana celular antes de começar o processo. Ao colocar em água destilada um organismo que sofreu um processo de dessecação, pode provocar-se um choque osmótico e a consequente perda do soluto intracelular. Esta é uma situação que se deve evitar, em especial quando se pretende obter informação sobre o estado fisiológico do organismo, no caso deste ter sido submetido a contaminação, a partir da localização celular dos elementos. Pode-se manter o organismo em câmara húmida por um tempo limitado, de modo a permitir a recuperação estrutural e funcional das membranas, antes da realização da sequência de eluição (ver revisão em Proctor, 2000).
A fase inicial da sequência, em que se mantém as amostras em água destilada (normalmente cerca de 50 mg de amostra em 10 ml durante 40 min) poderá levar ao estabelecimento de ligações iónicas entre os elementos presentes na superfície e os lugares de troca da parede, em especial se a concentração superficial for elevada. Figueira et al. (1999) recomendam a alteração da sequência de eluição, desdobrando-a em dois procedimentos paralelos: no primeiro, colocam-se as amostras na solução com o elemento de troca, obtendo-se o total extracelular, ou seja, todos os elementos solúveis presentes na superfície, mais os que se encontram ligados aos lugares de troca da parede; no segundo, sujeita-se as amostras a uma lavagem rápida num volume elevado de água, para remoção da fracção superficial e em seguida agita-se na solução com o elemento de troca, para obter apenas a fracção extracelular de elementos ligados à parede celular. Da diferença entre as duas fracções é possível obter a fracção superficial.
Para obter as fracções celulares de elementos como o Pb e Cu, que se encontram no topo das afinidades aos lugares de troca, não é possível utilizar o Ni como elemento de troca, pois seria necessário aplicar concentrações demasiado elevadas, o que causaria danos nas membranas celulares. Uma das alternativas seria utilizar o Pb como elemento de troca, quando se pretendesse obter as fracções de Cu e vice-versa. No entanto, estes elementos apresentam elevada toxicidade para as plantas, mesmo quando disponíveis em baixas concentrações. Branquinho e Brown (1994) desenvolveram o método utilizando um agente quelante para a extracção da fracção extracelular de elementos ligados à parede, em vez do Ni como elemento de troca. O quelante utilizado foi Na2-EDTA, a pH 4.5, que se verificou não ter efeitos sobre a estrutura da membrana. Provoca, porém a saída de K+ intracelular, por troca com Na+ disponibilizado. A aplicação deste agente requer, por isso, a execução de uma sequência paralela com Ni para determinação das fracções celulares de K+, o que é importante em estudos onde se pretende obter informação sobre o estado fisiológico do organismo. Apesar de aplicado inicialmente à extracção de Pb, este método mostrou ser também eficaz na determinação das fracções celulares de Cu (Branquinho et al., 1997a). Foi também adaptado com sucesso à remoção das fracções celulares de Co, Cu e Pb em briófitos (Vázquez et al., 1999)
A fracção intracelular pode ser obtida após a extracção das fracções extracelulares, provocando a ruptura da membrana com HNO3 (1 M). Normalmente, determina-se o peso seco antes desta fase, após secar o material biológico a 60ºC durante a noite. Este procedimento acaba, só por si, por romper com as membranas, tornando o compartimento intracelular disponível, mesmo em soluções não ácidas (Branquinho, 1997). A própria solução ácida, apesar de diluída, poderá ser suficiente para causar a dissolução de algumas partículas que tenham permanecido retidas nos tecidos, pelo que a designação de fracção intracelular ao removido pelo ácido poderá constituir uma simplificação da situação real. Pode, em alternativa, usar-se o elemento de troca ou o agente quelante, para a obtenção da fracção intracelular solúvel dos elementos (Branquinho, 1997; Branquinho et al., 1997b)
A aplicação deste método permite também a diferenciação entre elementos solúveis e elementos particulados, o que é particularmente importante na caracterização das espécies dos elementos e definição do risco ambiental. Os elementos presentes no ambiente na forma solúvel estão imediatamente disponíveis para serem tomados pelas plantas e integrarem rapidamente a cadeia alimentar. Os que estão retidos na forma de partículas apenas poderão entrar na cadeia alimentar após a sua solubilização, o que poderá acontecer num espaço alargado de tempo ou como resultado das alterações das condições do meio (em especial, do pH).

Referências Bibliográficas

Bates, J.W., 2000. Mineral nutrition, substratum ecology, and pollution. In: Shaw, A.J., Goffinet, B. (Eds.), Bryophyte Biology. Cambridge University Press, Cambridge, pp. 248-311.

Branquinho, C., 1997. Improving the Use of Lichens as Biomonitors of Atmospheric Metal Pollution. Tese de Doutoramento, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Lisboa, 150 pp..

Branquinho, C. & Brown, D.H., 1994. A method for studying the cellular location of lead in lichens. Lichenologist, 26, 83-90.

Branquinho, C., Brown, D.H. & Catarino, F., 1997a. The cellular location of Cu in lichens and its effects on membrane integrity and chlorophyll fluorescence. Environmental and Experimental Botany, 38,165-179.

Branquinho, C., Brown, D.H., Máguas, C. & Catarino, F., 1997b. Lead (Pb) uptake and its effects on membrane integrity and chlorophyll fluorescence in different lichens. Environmental and Experimental Botany, 37, 95-105.

Brown, D.H. & Bates, J.W., 1990. Bryophytes and nutrient cycling. Botanical Journal of the Linnean Society, 104, 129-147.

Brown, D.H. & Beckett, R.P., 1984. Uptake and effect of cations on lichen metabolism. Lichenologist, 16, 173-184.

Brown, D.H. & Wells, J.M., 1988. Sequential elution technique for determining the celular location of cations. In: Glime, J.M., (Ed.), Methods in Bryology. Proc. Bryol. Meth. Workshop, Mainz, Nichinan, Hattori Bot. Lab., pp. 227-233.

Brown, D.H., 1987. The location of mineral elements in lichens; implications for metabolism. Bibliotheca Lichenologica, 25, 361-375.

Brümelis, G. & Brown, D.H., 1997. Movement of metals to new growing tissue in the moss Hylocomium splendens (Hedw.) BSG. Annals of Botany, 79, 679-686.

Bruns, I., Sutter, K., Menge, S. & Neumann, D., 2001. Cadmium lets increase the glutathione pool in bryophytes. Journal of Plant Physiology, 158, 79-89.

Figueira, R., Sousa, A.J., Brown, D.H., Catarino, F. & Pacheco, A.M.G., 1999. Natural levels of saline elements in lichens: determination of cellular fractions and their importance as saline tracers. Lichenologist, 31, 183-196.

Gadd, G.M., 1993. Interations of fungi with toxic metals. New Phytologist, 124, 25-60.

Garty J., Galun, M. & Kessel, M., 1979. Localization of heavy metals and other elements accumulated in the lichen thallus. New Phytologist, 82, 159-168.

Gstoettner, E.M. & Fisher, N.S., 1997. Accumulation of cadmium, chromium, and zinc by the moss Sphagnum papillosum Lindle. Water, Air, and Soil Pollution, 93, 321-330.

Jalkanen, L., Mäkinen, A., Häsänen, E. & Juhanoja, J., 2000. The effect of large anthropogenic particulate emissions on atmospheric aerosols, deposition and bioindicators in the eastern Gulf of Finland region. The Science of the Total Environment, 262, 123-136.

Nieboer, E. & Richardson, D.H.S., 1980. The replacement of the nondescript term 'Heavy Metals' by a biologically and chemically significant of metal ions. Environmental Pollution, 1, 3-26.

Nieboer, E., Richardson, D.H.S. & Tomassini, F.D., 1978. Mineral uptake and release by lichens: an overview. The Bryologist, 81, 226-246.

Proctor, M.C.F., 2000. Physiological ecology. In: Shaw, A.J., Goffinet, B. (Eds.), Bryophyte Biology, Cambridge University Press, Cambridge, 225-247.

Puckett, K.J., Nieboer, E., Gorzynski, M.J. & Richardson, D.H.S., 1973. The uptake of metal ions by lichens: a modified ion-exchange process. New Phytologist, 72, 329-342.

Purvis, O.W., 1984. The occurrence of copper oxalate in lichens growing on copper sulphide-bearing rocks in Scandinavia. Lichenologist, 16, 197-204.

Purvis, O.W., Gilbert, O.L. & James, P.W., 1985. The influence of copper mineralization on Acarospora smaragdula. Lichenologist, 17, 111-114.

Raven, J.A., Griffiths, H., Smith, E.C. & Vaughn, K.C., 1998. New prespectives in the biopysics and physiology of bryophytes. In: Bates, J.W., Ashton, N.W. & Duckett, J.G. (Eds.), Bryology for the Twenty-first Century. Maney Publishing, Leeds, U.K, pp. 261-275.

Ron, E., Estébanez, B., Alfayate, C. & Marfil, R., 1999. Mineral deposits in cells of Hookeria lucens. Journal of Bryology, 21, 281-288.

Vázquez, M.D., López, J. & Carballeira, A., 1999. Modification of the sequential elution technique for the extraction of heavy metals from bryophytes. The Science of the Total Environment, 241, 53-62.

Wells, J.M. & Brown, D.H., 1996. Mineral nutrient recycling within shoots of the moss Rhytidiadelphus squarrosus in relation to growth. Journal of Bryology, 19, 1-17.

< Anterior   > Seguinte
Newsflash
A plataforma ESBIO (Expert team to Support Biomonitoring in Europe), criada pela Comissão Europeia no 6º Programa Quadro está a levar a cabo um inventário sobre actividades de biomonitorização. Este inventário está disponível online http://www.hbm-inventory.org) através de um inquérito dirigido a todas as pessoas que realizem (ou realizaram) estudos de biomonitorização (humana e ambiental).
Latest News


2002-2004 Museu e Jardim Botânico
Museu Nacional de História Natural
Todos os direitos reservados
Template design Rui Figueira, Powered by Mambo Open Source
Comentários e sugestões para webmaster (figueira@fc.ul.pt)